Transcrição do artigo publicado no jornal Novo - Abril de 2021

A gestão da Casa Ermelinda Freitas já passou por quatro gerações de mulheres. Com a quinta a ser preparada, Leonor Freitas fala sobre o impacto que a pandemia teve no negócio e como consegue manter o positivismo que a caracteriza perante as adversidades

LEONOR FREITAS: "SENTI MENOS MEDO DURANTE A TROIKA DO QUE NESTA CRISE"

O amor que sente pelo meio rural e pelo sector vitivinícola faz-se notar na forma como recorda o percurso feito pela Casa Ermelinda Freitas, criada em 1920. A pandemia impediu a celebração do centésimo aniversário e fez temer pelo futuro da empresa. Quem o diz é Leonor Freitas que, após a morte do pai, regressou a Fernando Pó para dar continuidade ao negócio. Não tem o poder da multiplicação, mas transformou 60 hectares de vinha em 550 e duas castas em 31. Com mais de mil prémios conquistados, não esquece a tradição e os valores que as suas predecessoras lhe passaram e diz querer continuar a ser a "Senhora do Castelão de Palmeia".

Leonor Freitas

Em 2020, o mundo foi afectado pela Covid-19. De que forma se adaptaram?

A nossa grande preocupação foi que cada um dos funcionários fosse um agente de saúde. Criámos turnos. alugamos balneários e fazemos rastreios de 15 em 15 dias. Os primeiros tempos não foram fáceis em termos de vendas. Fomos mais penalizados nos vinhos mais caros, que estão na restauração.

Essa quebra foi compensada de alguma maneira?

Tenho de agradecer ao consumidor que não saiu da Casa Ermelinda Freitas, apenas mudou para vinhos mais económicos. Não precisámos de despedir ninguém, não fomos para lay-off, até contratámos mais pessoas.

A exportação representava cerca de 40% das vendas da Casa Ermelinda. Houve alterações significativas?

Em termos de percentagem, voltou para os 35% durante a pandemia. As coisas estão a equilibrar-se, esperemos que não haja para aí outra estirpe.

Temeu pela continuidade da empresa?

A minha primeira preocupação foi começar a telefonar para os bancos e perguntar se me emprestavam dinheiro. Não queria despedir ninguém, nem queria ir para lay-off. Não há dinheiro de todos os lados, só do próprio vinho e da uva.

Sendo uma empresa centenária, já passou por diversas fases, incluindo o período da troika. Ainda é algo bem presente?

Éramos relativamente pequenos e estávamos numa fase de crescimento. Os funcionários colaboraram muito porque não queriam perder os postos de trabalho e ultrapassámos sem grandes dificuldades. Acho que senti menos medo durante essa crise do que nesta.

Esta é pior?

Sinto-a pior, sobretudo porque inclui a saúde. Não há hipótese de prevermos nada. enquanto na outra havia.

Consegue manter o positivismo?

Sempre. Temos de nos adaptar e ir ao encontro do consumidor, que é quem manda em nós. Portugal sempre recebeu muito bem, temos de transmitir isso. O turismo faz-nos muita falta.

É uma apaixonada por Portugal...

Temos um país lindo para mostrar. Um país tão pequeno como Portugal, com uma diferenciação tão grande de clima, no caso dos vinhos, de. castas... Foi uma sorte vivermos aqui, mas temos de abrir os horizontes e receber melhor do que qualquer outro.

Deu um precioso contributo no combate à covid-19, através da produção de álcool-gel. Como surgiu a ideia?

Quando comecei a pensar que queria ajudar, pois lenho alguns projectos de responsabilidade social. Ao início, passávamos horas em filas para conseguir comprar álcool-gel. Tínhamos álcool, que serve para fazer moscatel, mas não sabíamos fazer. O presidente do Instituto Politécnico de Setúbal teve conhecimento e da comunhão de esforços surgiu a solução.

É uma forma de dizer que a Casa Ermelinda pode abranger outras áreas?

Não. Isto é dizer que as coisas nos têm corrido bem, a sociedade tem ajudado e nós temos obrigação de partilhar um pouco, ajudando quando é preciso.

Leonor e Joana Freitas

Estamos perante uma empresa marcada pela liderança feminina e assim vai continuar, através da sua filha Joana. É algo que lhe dá satisfação?

Dá. não posso dizer que não sinto um grande orgulho por ver que a minha filha Joana já está na gestão e que será ela a continuar. Sempre com a ajuda do irmão, que é informático e também faz muita falta.

Um marco num mundo ainda a lutar pela igualdade de género?

É um exemplo para a sociedade, para outras mulheres verem que não há trabalhos para homens ou para mulheres. Há as pessoas certas nos sítios certos. Não é a chave do sucesso, mas ajuda um pouco. Acho que nós [mulheres] temos uma sensibilidade especial.

Casa Ermelinda Freitas adquiriu, no passado, duas quintas: uma no Douro, que era o seu sonho, outra no Minho. E o futuro? O que prevê para este e para os próximos anos?

Acho que a Casa Ermelinda Freitas, aqui na região de Setúbal, ira continuar a crescer, a oferecer produtos novos. As outras duas quintas estão no início. É muito difícil começar. A Casa Ermelinda Freitas será sempre a principal casa, a outra chama-se Ermelinda Vinhos de Portugal, mas é um grande desafio tornar rentáveis aquelas duas casas.

Sabendo o que sabe agora, teria adquirido estas duas quintas?

Sim. tal e qual. Também é bom sentirmos os problemas dos outros e das outras regiões.

Há mais algum sonho por concretizar sob a sua gestão?

Penso que não. Agora é a consolidação, continuar a representar a região c Portugal. Só precisamos que os nossos vinhos sejam considerados e valorizados.

A covid-19 impediu a celebração do centésimo aniversário. Irá ser feita mais tarde?

Queremos fazer a festa, seja quando for. Temos 12 mil garrafas na gruta de Mira de Aire a fazer estágio, para serem retiradas com a festa dos 100 anos.