Transcrição do artigo publicado no jornal Publico - Janeiro de 2021

"100 anos de vinho que a pandemia não travou"

Casa Ermelinda Freitas celebra centenário em tempo de covid-19, que provocou uma mudança no equilíbrio das vendas, com os vinhos mais baratos a ganharem um peso maior.

Leonor Freitas

Por Francisco Alves Rito

Quando, em 1997, decidiu engarrafar as primeiras cinco mil garrafas do seu vinho, com o rótulo “Terras do Pó”, Leonor Freitas não podia imaginar que, passados 23 anos, a adega que a mãe lhe legou iria completar o centenário como uma das empresas vinícolas mais promissoras do país. E muito menos em plena pandemia global que, apesar de tudo, não travou a fundo o negócio.

O primeiro vinho engarrafado ganhou o nome da terra onde a adega tem sede e boa parte das vinhas. Fernando Pó, pequena localidade entre as freguesias rurais de Marateca e Poceirão, no concelho de Palmela, já conhecia bem o vinho Ermelinda Freitas, mas a Península de Setúbal descobriu então o que viria a ser um dos emblemas mais dinâmicos desta Região Demarcada.

Cinco anos depois, em 2002, as empresas que compravam todo o vinho a granel da Casa Ermelinda Freitas informaram que não iriam continuar a absorver a produção. Leonor sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés, mas o susto transformou-se em oportunidade e a adega nunca mais parou de crescer, a ritmo acelerado.

Já lá vão mais de 1000 Prémios

Os vinhos tintos, brancos e moscatel sucederam-se, deram corpo e prestígio a uma marca que conta já com mil prémios, em concursos nacionais e estrangeiros, e o volume de negócios atingiu os 28 milhões de euros em 2019.

A pandemia estragou a celebração do centenário da Casa Ermelinda Freitas, que a empresa pretendia festejar com a comunidade e com os consumidores, mas não reduziu o negócio nem o apoio aos vários projectos sociais que têm sido financiados pela casa.

Nos meses de Março e Abril, a quebra nas vendas atingiu os 30%, devido à forte travagem de encomendas no canal Horeca (Restauração e Hotelaria). "Foi uma quebra muito grande porque os restaurantes estiveram mesmo fechados. Depois foi se equilibrando um bocadinho quando eles abriram.”, relata Leonor Freitas. A empresa recuperou, entretanto, sobretudo por via de um efeito de substituição, com os vinhos mais económicos a conquistarem quota de mercado, compensando as perdas nos segmentos mais caros.

Casa Ermelinda Freitas

“Temos mantido as vendas, que é um conforto, e a única explicação é precisamente termos uma grande diversidade com uma boa relação qualidade-preço. E o cliente adaptou-se mas ficou na Casa Ermelinda Freitas, o que eu tenho muito a agradecer”, diz a empresária.

Este ano as contas vão fechar com um volume de vendas “um pouco acima” do ano passado, embora com um crescimento meramente residual quando comparado com os dois dígitos dos anos anteriores. Em 2019, as receitas cresceram 12%relativamente a 2018.

Ainda assim, a empresa não apenas manteve o emprego, sem recorrer ao lay-off, como até aumentou os postos de trabalho.

“Neste momento temos 80 colaboradores. Costumamos ter 70, directos, portanto temos mais pessoas, e uma grande preocupação com a protecção de todos, desde a farda ao resto do equipamento de prevenção e à organização do trabalho em ‘espelho’. Até à data temos tido sorte e tivemos apenas um caso de um trabalhador infectado, que estava em teletrabalho.”, conta Leonor Freitas. A empresária sente uma “grande responsabilidade social com os funcionários, com muitas famílias”, uma vez que a adega é “a maior entidade empregadora nesta zona rural, que é um meio pequeno”.

Projectos sociais

Além dos vinhos, a Casa Ermelinda Freitas tem como imagem de marca uma forte preocupação com a comunidade. É conhecida por ser uma das empresas do distrito de Setúbal mais disponíveis para apoiar projectos e instituições, sobretudo na área da solidariedade social, mas não só. Por exemplo, é uma das companhias fundadoras da Associação Industrial da Península de Setúbal, que junta as maiores empresas da região, desde 2014, na luta pelo fim da discriminação da região no acesso aos fundos comunitários.

Agora, com a pandemia, quando o álcool-gel escasseou nas farmácias e supermercados, foi a adega que valeu aos hospitais, Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e lares da região. Leonor Freitas estabeleceu uma parceria com o Instituto Politécnico de Setúbal e forneceu seis mil litros de álcool vínico para a produção de álcool-gel.

Casa Ermelinda Freitas produz Álcool Gel em 2019

Entre os projectos sociais a empresária destaca dois; ‘A vida de um vinho’, que financia a reabilitação de habitações de famílias carenciadas e a vinha doada ao Centro Jovem Tabor, uma IPSS local, que acolhe jovens com problemas de delinquência. “Na quinta onde estão em recuperação, plantámos um hectare de vinha moscatel, porque eles tinham espaço, e fazemos todos os trabalhos juntamente com os jovens porque o objectivo deste projecto é dar perspectiva de trabalho e de vida àqueles adolescentes.”, relata Leonor Freitas. A adega compra toda a produção e o valor reverte a favor da associação, que apoia também idosos com cuidados domiciliários.

O projecto ‘A vida de um vinho’, que consiste na venda de 1500 garrafas especiais de vinho, tem contado com o apoio de Presidentes da República, e permitiu já a reabilitação de 11 casas, transformando-as em habitações dignas. O programa, em parceria com a Cáritas Diocesana de Setúbal, que identifica a orienta a concretização das obras, continua em curso em várias outras habitações.

A VIda de Um Vinho

100 anos de história

A adega que é hoje a Casa Ermelinda Freitas foi criada em 1920, por Deonilde Freitas, continuada por Germana Freitas e mais tarde por Ermelinda Freitas, mãe da actual administradora, Leonor Freitas. É a quarta geração e sempre com mulheres na primeira linha de trabalho e responsabilidade. Não é que não houvesse homens, mas estes, como refere a actual responsável, “morreram todos muito cedo” na história da família.

Precisamente, a morte precoce de Manuel João Freitas, pai de Leonor Freitas, fez com que a mãe, Ermelinda Freitas continuasse o trabalho e desde cedo com com a ajuda da filha, que tomou depois a liderança da empresa. Leonor, com a descendência assegurada por um casal de filhos, prepara agora a quinta geração da Casa Ermelinda Freitas.

Um dos grandes marcos desta história já centenária foi a atribuição da comenda de Ordem do Mérito Agrícola, Comercial e Industrial Classe do Mérito Agrícola, pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

“Claro que sem pandemia este seria um ano melhor, celebramos o centenário e tínhamos um plano para festejar e para agradecer aos nossos consumidores o que têm feito pela casa Ermelinda Freitas”, conclui Leonor Freitas.

Leonor e Joana Freitas

"Absorvemos toda a produção de todos os fornecedores"

Leonor Freitas, gestora da quarta geração da Casa Ermelinda Freitas orgulha-se de a empresa ter sido sempre gerida por mulheres e também das suas raízes rurais. Mesmo com a pandemia, conquistou, pela segunda vez consecutiva, o título de gestor europeu do ano, feito inédito no concurso Sommelier Wine Awards, em Inglaterra.

Como é que a pandemia afectou a produção de vinho?

Ao início trouxe-nos um grande susto, porque houve uma queda nas vendas, mas a seguir a operação equilibrou-se, com uma mudança: as pessoas começaram a adquirir os vinhos mais económicos nas grandes superfícies e nas mercearias de bairro. A grande falha foi no canal Horeca [Hotelaria e Restauração], onde estão os vinhos mais caros. Mas fomos compensados, o consumidor continuou a comprar Casa Ermelinda Freitas, sobretudo os vinhos mais económicos, e nós temos uma diversidade muito grande de vinhos, para todas as bolsas e gostos e isso permitiu-nos não despedir ninguém nem ir para lay-off.

Conseguiram absorver toda a uva e aos mesmos preços?

Toda! Houve uma descida de dois cêntimos mas absorvemos toda a produção de todos os nossos fornecedores anuais, mais a daqueles cujos destinatários habituais este ano não compraram. Foi uma questão minha. Inclusivamente fiz investimentos rápidos, comprei cubas de inox de fermentação para conseguir receber tudo.

Família Freitas

A Casa Ermelinda Freitas vai continuar a ser uma empresa familiar ou admite a entrada de parceiros no capital social?

Não. A Casa Ermelinda Freitas é uma empresa familiar. Nasceu assim, é preciso ver que temos 100 anos, e tenho continuado na gestão, com os meus filhos. Nunca podemos dizer nunca mas o que digo, neste momento, é que queremos continuar a ser uma empresa familiar e a dar todo o nosso conforto e confiança aos consumidores.